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Bíblia: O Livro Suficiente

Acad. Antônio José do Nascimento Filho (Cad. 09)

Por ocasião da palestra da plenária de 16 de março de 2019.




1. A SUFICIÊNCIA DAS ESCRITURAS COMO REVELAÇÃO DE DEUS


Quando estudamos a Bíblia como revelação de Deus, precisamos saber que o propósito principal dessa revelação não era aumentar a amplitude geral do conhecimento. O conhecimento sobre as coisas de Deus tinha por objetivo o conhecimento de Deus.Segundo o eminente teólogo Benjamin Warfield, “ é comum a ideia de que a revelação especial seria um fenômeno posterior à queda, exigido pelo pecado humano. Com frequência, ela é considerada remediadora”[1]. A presença direta de Deus, a forma mais imediata e completa de revelação especial, estava perdida. Além disso, agora Deus precisava falar de assuntos que antes não eram de interesse. Era preciso resolver os problemas do pecado, da culpa e da depravação; era preciso providenciar meios de expiação, de redenção e de reconciliação. E agora o pecado diminuía a compreensão humana da revelação geral, reduzindo-lhe a eficácia. Portanto, a revelação especial precisava remediar tanto o conhecimento humano como o relacionamento com Deus. É comum destacar que a revelação geral é inferior à revelação especial, tanto na clareza do tratamento como na amplitude dos assuntos considerados. A insuficiência da revelação geral, por conseguinte, exigia a revelação especial.

Precisamos indagar a respeito do estilo da revelação especial, sua natureza ou forma de apresentação. Ela é, sobretudo, pessoal. Um Deus pessoal apresenta-se a pessoas. Isso é visto de várias formas. Deus se revela anunciando o próprio nome. Nada é mais pessoal que o nome. Quando Moisés pergunta o que diria para identificar a pessoa que o enviava ao povo de Israel, Jeová respondeu dizendo-lhe seu nome: "Eu Sou O QUE SOU" (Êxodo 3.14). Além disso, Deus firmou alianças pessoais com indivíduos (Noé, Abraão) e com a nação de Israel. Os Salmos contêm numerosos testemunhos de experiências pessoais com Deus. E o alvo da vida de Paulo era um conhecimento pessoal de Deus: "para o conhecer, e o poder da sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte" (Filipenses 3.10). Toda a Escritura é pessoal quanto à natureza. O que Deus revela é principalmente a si mesmo, como pessoa e, em especial, suas dimensões mais significativas para a fé.


1.1.2. O TESTEMUNHO DE CRISTO SOBRE O TEXTO

Jesus disse que a Bíblia é a Palavra de Deus; consequentemente, ou a Bíblia é a Palavra de Deus, ou Jesus não é o Filho de Deus. Se Jesus é o Filho de Deus, de acordo com a confirmação sobrenatural obtida, a Bíblia também é a Palavra de Deus. Jesus declarou que o Antigo Testamento possuía autoridade divina (Mat. 4.4,7,10); que era indestrutível (Mat. 5.17,18);infalível (Jo. 10.35); inerrante (Mat. 22.29; Jo. 17.17); historicamente confiável (Mt. 12.40; Mt. 24.37,38).

Jesus não somente confirmou o Antigo Testamento como Palavra de Deus, como também prometeu que o Novo Testamento seria também Palavra de Deus. Ele declarou que o Espírito Santo ensinaria os apóstolos “todas as coisas” e os guiaria em “toda a verdade” (João 14.26; 16.13).Os apóstolos afirmaram esta autoridade divina nas suas palavras (Jo. 20.31; 1 João 1.1; 4.1. 5,6)— o apóstolo Pedro reconheceu os escritos de Paulo como “Escritura” (2 Pedro 3.15,16). Como o Novo Testamento é o único registro autêntico e infalível dos ensinos apostólicos, ele se torna automaticamente “toda a verdade” que Jesus prometeu por intermédio dos apóstolos. Assim, Jesus ensinou que tanto o Antigo quanto o Novo Testamento são igualmente a Palavra de Deus.


1.1.1. O TESTEMUNHO DO ESPÍRITO SANTO

Não haverá quantidade suficiente de evidências para convencer alguém a respeito do significado de a Bíblia ser a Palavra de Deus se isto não for feito por obra do Espírito Santo. A Bíblia nos diz: “O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rom. 8.16). Isto, obviamente, é baseado no testemunho da Palavra de Deus, pois “a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus” (Rom. 10.17). João, ainda, acrescenta: “Estas coisas vos escrevi, para que saibais que tendes a vida eterna e para que creiais no nome do Filho de Deus” (1 João 5.13). Deus não somente dá o seu testemunho acerca de que Cristo é o Filho de Deus, como também de que a Bíblia é a Palavra de Deus. João escreveu: Se recebemos o testemunho dos homens, o testemunho de Deus é maior; porque o testemunho de Deus é este, que de seu Filho testificou. Quem crê no Filho de Deus em si mesmo tem o testemunho; quem em Deus não crê mentiroso o fez, porquanto não creu no testemunho que Deus de seu Filho deu (1 João 5.9,10).

O testemunho, obviamente, é a Bíblia. João prosseguiu, dizendo: “Estas coisas vos escrevi, para que saibais que tendes a vida eterna e para que creiais no nome do Filho de Deus” (1 Jo. 5.13).Na verdade: “Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (Jo. 20.31).Dessa forma, o Espírito de Deus dá testemunho de que a Bíblia é a Palavra de Deus e de que o Cristo nela revelado é o Filho de Deus. O testemunho de Deus, entretanto, se dá por intermédio da Palavra, e não à parte dela. Ele proporciona a certeza subjetiva por meio da Palavra objetiva e das evidências objetivas a favor da sua Palavra. No caminho do coração, Deus não deixa de passar pela nossa cabeça. Ele disse: "Vinde, então, e argui-me, diz o SENHOR; ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a branca lã” (Isaias 1.18).


1.1.2. O TESTEMUNHO APOSTÓLICO SOBRE O TEXTO

Escrevendo sobre o cânon do Antigo Testamento como um todo, o apóstolo Paulo declarou: “Toda Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça, para que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente instruído para toda boa obra” (2 Timóteo 3.16,17). Jesus descreveu as Escrituras como a própria “palavra que sai da boca de Deus” (Mateus 4.4). Elas foram escritas por homens que falavam da parte de Deus. Paulo disse que os seus escritos eram “palavras [...] que o Espírito Santo ensina” (1 Co. 2.13).

Como temos estabelecido, outra forma pela qual a Bíblia alega ser a Palavra de Deus é expressa na fórmula: “O que a Bíblia diz, Deus diz”. Isto fica manifesto no fato de que frequentemente passagens do Antigo Testamento reivindicam que Deus é quem falou; contudo, quando estas mesmas passagens são citadas no Novo Testamento, este afirma que “as Escrituras” é que o disseram. Por diversas vezes, a Bíblia afirma ser “a Palavra de Deus”, nestes próprios termos (Mat. 15.6). Paulo se refere às Sagradas Escrituras como sendo os “oráculos de Deus” (Rom. 3.2), e Pedro declara: “Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva e que permanece para sempre” (1 Pe 1.23; Heb 4.12).


1.1.3. O CARÁTER ANTRÓPICO DA REVELAÇÃO DE DEUS NAS ESCRITURAS

Mas o Deus revelado é um ser transcendental. Ele está fora de nossa experiência sensorial. A Bíblia afirma que Deus é ilimitado em seu conhecimento e poder; ele não se sujeita às fronteiras do espaço e do tempo. Portanto, a revelação deve implicar uma condescendência da parte de Deus (no bom sentido da palavra).Bernard Ramm, em sua clássica obra “Special revelation and the Word of God”, p.39, assim declara:

Não podemos subir até Deus para investigá-lo e, mesmo que pudéssemos, não conseguiríamos entendê-lo. Assim, Deus se revela por meio de uma revelação em forma antrópica. Não se deve pensar que isso seja um antropomorfismo como tal, mas simplesmente que a revelação vem em linguagem humana e em categorias humanas de pensamento e ação[2].

Esse caráter antrópico importa no uso de linguagens humanas comuns na época. Já se acreditou que o grego coiné era uma língua especial, criada por Deus, uma vez que é muito diferente do grego clássico. Sabemos agora, é claro, que era apenas a linguagem popular. As expressões idiomáticas aparecem na Escritura. E ela utiliza as expressões comuns para descrever a natureza, medir o tempo e a distância, assim por diante. A revelação também é antrópica no sentido de que em geral vem em formas que fazem parte da experiência comum, cotidiana dos homens. Os sonhos, por exemplo, eram um meio que Deus usava com frequência para se revelar. Mas poucas experiências são tão comuns à raça humana quanto os sonhos. Não era o tipo específico de experiência empregada, mas o conteúdo singular transmitido e a utilização singular dessa experiência que distinguia a revelação das coisas comuns e naturais. Isso também é verdade no que se refere à encarnação.


1.2. A BÍBLIA – O LIVRO SUFICIENTE PARA REVELAR DEUS E SEUS ATRIBUTOS


Para compreendermos a relação entre Deus e a criação, é importante compreender Sua natureza. Quando falamos dos atributos de Deus, estamos nos referindo àquelas qualidades de Deus que constituem o que Ele é. São as próprias características de sua natureza. Note que não estamos aqui nos referindo aos atos que Deus realiza, tais como criar, guiar e preservar, nem aos papéis correspondentes que desempenha —Criador, Guia, Preservador. Os atributos são qualidades da Deidade inteira.Não se deve confundi-los com propriedades que, em termos técnicos, são as características distintivas das várias pessoas da Trindade. As propriedades são funções (gerais), atividades (mais específicas) ou atos (extremamente específicos) de cada membro da Divindade. Os atributos são qualidades permanentes. Não podem ser adquiridos ou perdidos. São intrínsecos ao Ser de Deus.

Portanto, a santidade não é um atributo (uma característica permanente, inseparável) de Adão, mas é um atributo de Deus. Os atributos de Deus são dimensões essenciais e inerentes de sua própria natureza. Embora nossa compreensão de Deus seja filtrada por nossa estrutura mental, seus atributos não são nossas concepções projetadas sobre Ele. São características próprias de Sua natureza. Os atributos são inseparáveis do Ser ou da essência de Deus. Algumas teologias mais antigas pensavam que os atributos se ligavam ou que, pelo menos, eram, de alguma maneira, distintos da substância ou existência ou essência. Em muitos casos, essa ideia era baseada na concepção aristotélica de substância e atributo. Algumas outras teologias foram para o extremo oposto, praticamente negando que Deus tenha uma essência.

Aqui, os atributos são retratados como aspectos inerentes ao Ser de Deus. É melhor pensar nos atributos de Deus como sua natureza, não como uma coleção de partes fragmentadas nem como algo que se adiciona à sua essência. O nosso Deus é profundissimamente complexo para a nossa limitada compreensão como seres humanos. Quando falamos da incompreensibilidade de Deus, portanto, não estamos dizendo que existe um ser desconhecido ou uma essência desconhecida além dos seus atributos ou por trás deles. Antes, queremos dizer que não conhecemos suas qualidades ou sua natureza de forma completa ou exaustiva. Só conhecemos a Deus à medida que Ele se revela a nós, os seus filhos, na Sua Palavra. Embora sua auto-revelação seja, sem dúvida, coerente com toda sua natureza, nós não o conhecemos completamente. Além disso, não compreendemos totalmente e nem plenamente.

Assim, há, e sempre haverá, um elemento de mistério em torno do nosso Deus. A teologia utiliza duas expressões do latim para lidar a revelação que Deus faz de si mesmo. A) Deo Absconditus:Mesmo quando Deus se revela na Sua palavra, Deus permanece sendo o Deus escondido e não podemos conhecê-lo plenamente. B) Deo Revelatus:Nós podemos conhecer a Deus, até onde Ele se revela a nós na sua palavra.


1.2.1. CLASSIFICAÇÕES DOS ATRIBUTOS


De modo geral, é preferível falar das “perfeições” ou “virtudes” de Deus, com o definido entendimento, porém de que, neste caso, o termo “virtudes ou perfeições de Deus” não é empregado em sentido simplesmente ético. Agindo assim, (a) seguimos o uso da Bíblia, que emprega o termo grego arete,traduzido por virtudes ou excelências em 1 Pedro 2.9; e (b) evitamos a ideia de que alguma coisa possa ser acrescentada ao Ser de Deus. Suas virtudes não são adicionadas ao Seu Ser, mas, antes, mas são partes inerentes do Eterno Ser de DEUS. Os atributos de Deus podem ser definidos como as perfeições que constituem o Ser Divino na Escritura, ou que são visivelmente exercidas por ele em Suas obras de criação, providência e redenção. Se continuamos a empregar o nome “atributos”, é porque é comumente utilizado, e o fazemos com claro entendimento de que se deve excluir rigidamente a noção de algo acrescentado ao Ser de Deus.

Na tentativa de compreender Deus, vários sistemas de classificação têm sido elaborados. Há teólogos que classificam os atributos de DEUS em atributos naturais e morais. Outros teólogos classificam também os atributos em: atributos comunicáveis e incomunicáveis. Outros classificam os atributos em atributos pessoais e constitutivos. Os atributos morais são os que, no contexto humano, estariam relacionados com o conceito de retidão (no sentido de ser correto). Santidade, amor, misericórdia e fidelidade, etc.

Tendo apenas observado formas finitas, consideramos impossível entender conceitos infinitos. Nesse sentido, Deus sempre permanece incompreensível. Não que não tenhamos conhecimento dele, e conhecimento genuíno. Antes, a insuficiência está em nossa incapacidade de contê-lo em nosso conhecimento. Embora o que conhecemos dele seja o mesmo que ele conhece a respeito de si mesmo, o grau de nosso conhecimento é muito menor. Assim, compreendemos que Deus se revela de forma especial nas Escrituras, para que o conheçamos, até onde Ele se revela a nós.

Uma expressão muito comum na Bíblia e, em especial, no Antigo Testamento, é a declaração: "Veio a mim a palavra do SENHOR, dizendo..." (Jeremias 18.1; Ezequiel 12.1, 8, 17, 21, 26; Oséias 1.1; Amós 3.1). Os profetas tinham consciência de que a mensagem deles não era de criação própria, mas de Deus. Ao escrever o livro de Apocalipse, João estava tentando comunicar a mensagem que Deus lhe havia dado. O autor de Hebreus notou que Deus havia falado muitas vezes no passado, e que agora falava especialmente por meio de seu Filho (Hebreus 1.1,2).Não é só por meio de suas ações que Deus demonstra o que é; Ele também fala, discorrendo acerca de si mesmo, de seus planos e de sua vontade. O uso de uma língua é indicação de que o discurso de Deus é mediado, não uma revelação direta, embora, ele possa assim fazê-lo, se o quisesse.


1.3. A BÍBLIA – O LIVRO SUFICIENTE PARA REVELAR DEUS E SEUS ATRIBUTOS MORAIS DE DEUS”


Os atributos morais de Deus são geralmente considerados como as perfeições divinas mais gloriosas. Não que um atributo de Deus seja em si mesmo mais perfeito e mais glorioso que outro, mas, relativamente ao homem, as perfeições morais de Deus refulgem com um esplendor único e perfeitíssimo do Seu Divino SER. Geralmente são discutidos sob três títulos:


1.3.1. A BONDADE DE DEUS

Esta geralmente é tratada como uma concepção genérica, incluindo diversas variedades que se distinguem de acordo com os seus objetos. Não se deve confundir a bondade de Deus com Sua benevolência, que é um conceito mais restrito. Falamos que uma coisa é boa quando ela corresponde em todas as suas partes ao ideal.

A) Daí, em nossa atribuição da bondade de Deus, a ideia fundamental é que Ele é, em todos os aspectos e por todos os modos, tudo aquilo que deve ser como Deus, e, portanto, corresponde perfeitamente ao ideal expresso pela palavra “Deus”.

B) Ele é bom na acepção metafísica da palavra, é perfeição absoluta e a felicidade perfeita em Si mesmo. É neste sentido que Jesus disse ao homem de posição: “Ninguém é bom senão um só, que é Deus”, Marcos 10.18; Lucas 18.18, 19.

C) Mas, desde que Deus é bom em Si mesmo, é também bom para as Suas criaturas e, portanto, Ele pode ser chamado de “FONTE DE TODO BEM - FONS OMNIUM BONORUM. E assim é apresentado de várias maneiras na Bíblia toda. O poeta canta: “Pois em ti está o manancial da vida; na tua luz vemos a luz”, Salmos 36.9.Todas as boas coisas que as criaturas usufruem no presente e esperam no futuro, fluem de DEUS, o manancial inexaurível – Tiago 1:17.

D) E não somente isso, mas Deus é também o SUMO BEM, OU O BEM SUPREMO - SUMMUM BONUM. Ele é o Bem Supremo para todas as Suas criaturas. Na presente conexão, naturalmente damos ênfase à bondade ética de Deus e a seus diferentes aspectos, como determinados pela natureza dos seus objetos.


E) A BONDADE DE DEUS PARA COM SUAS CRIATURAS EM GERAL

Esta pode ser definida como a perfeição de Deus que O leva a tratar benévola e generosamente todas as Suas criaturas (Mateus 5:43, 44; Atos 14:16, 17).É a afeição que o Criador sente para com as Suas criaturas dotadas de sensibilidade consciente como tais. O salmista a exalta com as bem conhecidas palavras: “O Senhor é bom para todos, e as suas ternas misericórdias permeiam todas as suas obras... Em ti esperam os olhos de todos, e tu, a seu tempo, lhes dás o alimento. Abres a tua mão e satisfazes de benevolência a todo vivente”, Salmos 145.9, 15, 16.“Oh, provai e vede que o SENHOR é bom” – Salmos 34:8. Este benévolo interesse de Deus é revelado em Seu cuidado pelo bem-estar de suas criaturas.

F) A Bondade de DEUS varia naturalmente em grau, de acordo com a capacidade que os seus objetos têm de recebe-lo. E embora não se restrinja aos crentes, somente estes manifestam apropriada apreciação das bênçãos que dela provêm, desejo de usa-las no serviço do seu Deus e, assim, desfrutam-na em medida mais rica e mais completa. A Bíblia refere-se a esta bondade de Deus em muitas passagens, como Salmos 36.6; Salmos 104.21; Mateus 5.45; 6.26; Lucas 6.35; Atos 14.17.


1.3.2. - O AMOR DE DEUS

Quando a bondade de Deus é exercida para com as Suas criaturas racionais, assume o caráter mais elevado de amor, e ainda se pode distinguir este amor de acordo com os objetos aos quais se limita. Em distinção da bondade de Deus em geral, o Seu amor pode ser definido como a perfeição de Deus pela qual Ele é movido eternamente à Sua própria comunicação. Desde que Deus é absolutamente bom em Si mesmo, Seu amor não pode achar completa satisfação em nenhum objeto falto de perfeição absoluta. Ele ama as Suas criaturas racionais por amor a Si mesmo, ou, para expressá-lo doutra forma, neles Ele se ama a Si mesmo, Suas virtudes, Sua obra e Seus dons.

Ele nem mesmo retira completamente o Seu amor do pecador em seu estado pecaminoso atual, apesar de que o pecado deste é uma abominação para Ele, visto que, mesmo no pecador, Ele reconhece um portador da Sua imagem. João 3.16; Mateus 5.44, 45. Ao mesmo tempo, Ele ama os seus servos com amor especial, dado que os vê como Seus filhos espirituais em Cristo. É a estes que Ele se comunica no sentido mais rico e mais completo, com toda a plenitude da Sua graça e misericórdia. João 13:1; João 16.27; Romanos 5.8; 1 João 3.1.


1.3.3. - A GRAÇA DE DEUS

A significativa palavra “graça” é uma tradução do termo grego charis. Em geral se pode dizer, porém, que a graça é a concessão de bondade a alguém que não tem nenhum direito a ela. É este particularmente o caso em que a graça a que se faz referência é a graça de Deus. Seu amor ao ser humano é sempre imerecido e, quando mostrado a pecadores, estes são até privados dele. A Bíblia geralmente emprega apalavra para indicar a imerecida bondade ou amor de Deus aos que perderam o direito a ela e, por natureza, estão sob a sentença de condenação.

A) A graça de Deus é a fonte de todas as bênçãos espirituais concedidas aos pecadores. Como tal, lemos a seu respeito em Efésios 1. 6.7; 2.7-9; Tito 2.11; 3.4-7.

B) Embora a Bíblia fale muitas vezes da graça de Deus como graça salvadora, também faz menção dela num sentido mais amplo, como em Isaias 26.10; Jeremias 16.13.

C) É pela graça que o caminho da redenção foi aberto para eles, Rom. 3.24; 2 Co. 8.9, e que a mensagem da redenção foi levada ao mundo, Atos 14.3.

D) pela graça os pecadores recebem o dom de Deus em Jesus Cristo, Atos 18.27; Efésios 2.8.

E) Pela graça eles são justificados, Romanos 3.24; 4.16; Tito 3.7;

F) Pela graça somos enriquecidos de bênçãos espirituais, João 1,16; 2 Co. 8.9; 2 Tes. 2.16.

G) Finalmente, é pela graça de DEUS que nós herdamos a salvação, Efésios 2.8; Tito 2.11.

Vendo-se absolutamente sem méritos próprios ficam na total dependência da graça de Deus em Cristo. No modernismo teológico, com sua crença na bondade inerente do homem e em sua capacidade de bastar-se a si próprio, a doutrina da salvação pela graça tornou-se praticamente um “acorde perdido”, e mesmo a palavra “graça” foi esvaziada de toda significação espiritual e desapareceu dos discursos religiosos.


1.4. A BÍBLIA – O LIVRO SUFICIENTE PARA REVELAR A JUSTIÇA DE DEUS”

Este atributo é um atributo moral de Deus, chamado também de atributo comunicável de Deus. Vejamos alguns aspectos importantes da justiça de Deus:


1.4.1. - A IDEIA FUNDAMENTAL DE JUSTIÇA

O conceito fundamental de justiça é a de estrito apego à lei. Entre os homens ela pressupõe que há uma lei à qual eles devem ajustar-se. Às vezes se diz que não podemos falar de justiça em Deus, porque não há lei à qual Ele esteja sujeito. Mas, embora não haja lei acima de Deus, certamente há uma lei na própria natureza de Deus, e esta lei constitui o mais elevado padrão possível, pelo qual todas as outras leis são julgadas.

Geralmente se faz distinção entre a virtude da qual Deus é infinitamente reto em Si mesmo, enquanto que esta é a perfeição de Deus pela qual Ele se mantém contra toda violação da Sua santidade e mostra, em tudo e por tudo, que Ele é Santo. É a esta retidão que o termo “justiça” se aplica mais particularmente. A justiça se manifesta especialmente em dar a cada homem o que lhe é devido, em trata-lo de acordo com os seus merecimentos.

A inerente retidão de Deus é naturalmente básica para a retidão que Ele revela no trato de Suas criaturas, mas é especialmente esta última, também denominada justiça de Deus, que requer especial consideração aqui. Os termos hebraicos para “justo” e “justiça” são tsaddik, e os termos gregos correspondentes são dikaios e dikaiosyne, todos os quais contêm a ideia de conformidade a um padrão. Esta perfeição é repetidamente atribuída a Deus na Escritura, Esdras 9.15; Neemias 9.8; Salmos 119.137; 145.17; Jeremias 12.1; Lamentações 1.18, Daniel 9.14; João 17.25; 2 Timóteo 4.8; 1 João 2.29; 3.7; Apocalipse 16.5.


1.4.2. - DISTINÇÕES APLICADAS À JUSTIÇA DE DEUS:

Há em primeiro lugar uma reta justiça de Deus. Esta justiça, como está implícito no nome, é a retidão que Deus manifesta como o Governador que exerce domínio tanto sobre o bem como sobre o mal. Em virtude de Sua reta justiça, Deus instituiu um governo moral no mundo, e impôs ao homem uma lei justa, com promessas de recompensa ao obediente e ameaças de punição ao transgressor. No Velho Testamento Deus sobressai proeminentemente como o Legislador de Israel, Isaias 33.11, e do povo em geral, Tiago 4.12, e Suas leis são justas, Deuteronômio 4.8; Salmos 99.4; Romanos 1.32.

Estreitamente relacionada com a reta justiça de Deus está a Sua justiça distributiva. Este termo habitualmente serve para designar a retidão de Deus na execução da lei, e se relaciona com a distribuição de recompensas e punições, Isaias 3.10, 11; Romanos 2.6; 1 Pedro 1.17. É de duas classes distintas:


1.4.3. JUSTIÇA REMUNERATIVA

Esta é a justiça de Deus que se manifesta na distribuição de recompensas a homens e anjos, Deuteronômio7.9, 12, 13; 2 Crônicas 6.16; Salmos 58.11; Miquéias 7.20; Mateus 25.21, 34; Romanos 2.7; Hebreus 11.26. É realmente uma expressão do amor divino distribuindo a sua generosidade, não com base em méritos propriamente ditos, pois a criatura não pode dar prova de nenhum mérito absoluto diante do Criador, mas segundo promessa e acordo, Lucas 17.10; 1 Coríntios 4.7; Rom. 8:18; I Co. 2;9. As recompensas de Deus são fruto da sua graça e decorrem de uma relação pactual estabelecida por ele.


1.4.4. JUSTIÇA RETRIBUTIVA:

Esta é a justiça que se relaciona com a imposição de castigos. É uma expressão da ira divina. Enquanto que num mundo isento de pecado não haveria lugar para a sua aplicação, necessariamente tem proeminente lugar num mundo cheio de pecado. A Bíblia em geral dá mais ênfase à recompensa dos justos que à punição dos ímpios; mas mesmo esta é bastante proeminente, Romanos 1.32; 12.19; 2 Tessalonicenses 1.8, e muitas outras passagens. Deve-se notar que, ao passo que o homem não merece a recompensa que recebe, merece a punição que lhe é dada.

A justiça divina está originária e necessariamente obrigada a punir o mal, não porém a recompensar o bem, Lucas 17.10; 1 Coríntios 4.7; João 41.11. Muitos negam a estrita justiça punitiva de Deus e alegam que Deus pune o pecador para reformá-lo, ou para dissuadir outros de pecar; mas estas posições não são sustentáveis. O propósito primordial da punição do pecado é a manutenção do direito e da justiça. É certo que ela pode servir para reformar o pecador e impedir que outros pequem, e, secundariamente, isso pode estar incluído em seus eternos propósitos para o homem e para a sociedade.


1.4.5. A JUSTIÇA E A JUSTIFICAÇÃO

Se justificar não é o mesmo que perdoar ou desculpar, tampouco é o mesmo que santificar. Justificar é considerar ou declarar justa uma pessoa, e não torná-la justa. Este foi um ponto essencial no debate que se deu no século XVI com respeito à justificação. A posição católico-romana, conforme expressa no Concilio de Trento (1545-64), era que a justificação se dá no batismoe que a pessoa batizada, além de ser purificada dos seus pecados, recebe também, simultaneamente, uma justiça nova e sobrenatural.

Willian Hendriksen (Comentário de Romanos, p.173), afirma: “Justificação é uma questão de imputação (atribuir). A culpa do pecador é imputada a Cristo; a justiça deste é imputada ao pecador (Gen. 15.6, Isaias 53.4-6, Jeremias 23.6 e Romanos 5.18,19). No sentido forense, justificar significa declarar justo. A justificação é aquele gracioso ato de Deus mediante a obra de Cristo, ele declara justo o pecador”[3].

Logo, A justificação, como ensinada por Paulo, em nenhum sentido, é obra do homem. Ela é:A) dom de Deus (Romanos 5.15-18); B) Produto de sua Graça (Rom. 3.24; 4.16; 5.15); C) Gratuita (Rom. 5.16); D) Sem as obras humanas (Rom. 3.20); Oposta a condenação (Rom. 8.1, 33, 34); E) Ela priva o homem de toda razão para vangloria (Rom. 3.27). F) Ela se torna unicamente eficaz através da cruz de Cristo (Rom. 3:24-26).


1.5. A BIBLIA – O LIVRO SUFICIENTE PARA REVELAR A DEUS A NA PESSOA DE SEU FILHO JESUS CRISTO

O meio mais completo de revelação é a encarnação. O argumento aqui é que a vida e o discurso de Jesus eram uma revelação especial de Deus. Podemos, de novo, achar que não se trata de meio algum, que Deus estava diretamente presente, em forma não-mediada. Mas já que Deus não possui forma humana, a humanidade de Cristo deve representar uma mediação da revelação divina. Isso não é dizer que sua humanidade escondia ou obscurecia a revelação. Significa que era o meio pelo qual era transmitida a revelação da deidade. A Escritura afirma especificamente que Deus falou em seu Filho ou por intermédio dele (João 1:1-3).O texto de Hebreus 1.1,2contrasta isso com as formas anteriores de revelação, salientando que a encarnação é superior. Aqui ocorre o exemplo mais acabado de revelação por meio de um evento. O ápice dos atos de Deus deve ser encontrado na vida de Jesus. Os milagres, sua morte e a ressurreição são a história da redenção em sua forma mais condensada e concentrada. Aqui também existe a revelação como discurso divino, pois a mensagem de Jesus ultrapassa a dos profetas e apóstolos.

Quando Jesus falava, era Deus em pessoa falando. A revelação também ocorreu em sua máxima perfeição no caráter de Jesus. Nele, Deus de fato vivia entre os homens, exibindo-lhes seus atributos. As ações, atitudes e emoções de Jesus não apenas refletiam o Pai. Mostravam que, de fato, Deus estava vivendo na terra. No Calvário, o centurião que, provavelmente, havia visto muitas pessoas morrerem crucificadas, deve ter encontrado em Jesus algo diferente que o fez exclamar: "Verdadeiramente este era Filho de Deus" (Mateus 27.54). Pedro, após a pesca maravilhosa, caiu de joelhos e disse: "Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador" (Lucas 5.8). Essas pessoas encontraram em Jesus uma revelação do Pai. Aqui, a revelação como um ato junta-se à revelação como palavra. Jesus tanto falou a palavra do Pai como demonstrou os atributos dele. Ele foi a revelação mais completa de Deus, porque ele era Deus. João podia fazer esta afirmação surpreendente: "O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam" (João 1.1).E Jesus podia dizer: "Quem me vê a mim vê o Pai"(João 14.9).


1.6. A BIBLIA – O LIVRO SUFICIENTE COMO TEXTO INERRANTEMENTE CONFIÁVEL, EM TERMOS DE FÉ E PRÁTICA

Existem vários conceitos de inerrância. A inerrância da Escritura tem sido tópico de discussões acaloradas entre cristãos conservadores. Essa é a doutrina de que a Bíblia é plenamente confiável em todos os seus ensinos. Para os que fazem parte da comunidade teológica mais ampla, isso parece um assunto irrelevante, um remanescente de uma concepção antiquada da Bíblia. Para muitos evangélicos, no entanto, trata-se de uma questão extremamente importante, até mesmo crucial. Portanto, ela exige um exame cuidadoso. Na realidade, é a conclusão da doutrina da Escritura, pois se Deus deu uma revelação especial a respeito de si mesmo e inspirou seus servos para que a registrassem, queremos ter a garantia de que a Bíblia é de fato uma fonte fidedigna dessa revelação.

A palavra inerrância tem significados diferentes para pessoas diferentes. 1. Os defensores da inerrância absolutasustentam que isto inclui análises bem detalhadas de assuntos científicos e históricos, e que é totalmente verdadeira.Transmite-se a impressão de que os escritores bíblicos tinham a intenção de fornecer uma quantidade considerável de dados científicos e históricos exatos. Assim, as aparentes discrepâncias podem e devem ser explicadas. A inerrância plena também sustenta que a Bíblia é completamente verdadeira. Apesar de o objetivo primordial das Escrituras não ser fornecer informações científicas e históricas, as declarações científicas e históricas que ela fornece são completamente verdadeiras.

Portanto, não existe diferença essencial entre essa posição e a da inerrância absoluta quanto à maneira de ver a mensagem religiosa/teológica/espiritual. O entendimento de referências científicas e históricas é, no entanto, bem diferente. A plena inerrância considera essas referências fenomenais, ou seja, são registradas da maneira como se apresentam aos olhos humanos.“Não são necessariamente exatas; antes, são descrições populares, implicando, muitas vezes, referências gerais ou aproximações. Mesmo assim, são corretas. O que ensinam é essencialmente correto da maneira como é ensinado”[4]. A inerrância limitada também considera a Bíblia tanto inerrante como infalível em suas referências doutrinárias à salvação. As referências científicas e históricas contidas na Bíblia refletem o entendimento corrente na época em que a Bíblia foi escrita. Os escritores bíblicos estavam sujeitos às limitações de seu tempo. A revelação e a inspiração não colocaram os escritores acima do conhecimento habitual. Deus não lhes revelou a ciência. A Bíblia não se propõe em ser um Manual científico.

Historicamente, a igreja tem se apegado à inerrância da Bíblia. Embora até tempos recentes não se tivesse enunciado uma teoria completa, sempre houve, ao longo dos anos da história da igreja, uma crença geral na completa fidedignidade da Bíblia. Uma vez que a história é o laboratório em que a teologia vivencia suas ideias, devemos concluir que o abandono da crença na completa fidedignidade da Bíblia é um problema muito sério, não só pelos danos causados a essa doutrina, mas também pelas consequências que podem vir sobre outras doutrinas da fé cristã. À medida que os evangélicos abandonam a posição de que o que é ensinado ou afirmado pelas Escrituras é verdadeiro, procuram-se outras fontes alternativas para a doutrina. Isso pode se dar tanto pelo ressurgimento de uma filosofia da religião como, o que é mais provável dada a atual orientação "relacional", pela fundamentação da teologia nas ciências do comportamento, tal como acontece com a psicologia da religião.

Certamente, a Bíblia é autoridade para nos dizer qual era a vontade de Deus para certos indivíduos e grupos durante o período bíblico. A Bíblia nos diz o que Deus exigiu do povo no contexto bíblico e o que ele espera de nós. Naquilo que a Bíblia ensina o que ocorreu e o que se exigiu das pessoas nos tempos bíblicos, ela é autoridade histórica. Mas ela também é autoridade normativa em termos de fé e prática.

Os críticos da inerrância alegam que ela não passa de uma invenção do século XIX utilizada pelos teólogos da velha escola de Princeton (como Charles Hodge e B. B. Warfield) para fins apologéticos, a fim de refutar o crescente Liberalismo que ameaçava assenhorear-se da igreja e minar as suas convicções ortodoxas.

Agostinho (354-430), EM sua obra The City of God (A Cidade de Deus), Agostinho utilizou a expressão “Sacras Escrituras” (9.5), “as palavras de Deus” (10.1), “Infalíveis Escrituras” (11.6), “revelação divina” (13.2), e “Sagrada Escritura” (15.8). Em outros lugares, ele se referiu à Bíblia como sendo os “oráculos de Deus”, a “Palavra de Deus”, os “oráculos divinos”, e a “Escritura Divina”. Com a enorme influência que ele exerceu ao longo dos séculos, o seu testemunho permaneceu como uma referência constante à alta estima dada às Escrituras na Igreja.


1.7.A BIBLIA – O LIVRO SUFICIENTE COMO REVELAÇÃO DA VONTADE DE DEUS


A Bíblia emprega várias palavras para indicar a vontade de Deus, a saber, as palavras hebraicas chaphets, tsebhu e raston, e as palavras gregas boule e thelema.A importância da vontade divina aparece de várias maneiras na Escritura. É apresentada como a causa final de todas as coisas. Tudo é derivado dela:

1) A criação e a preservação, Salmos 135.6; Jr 18.6; Apocalipse 4.11; o governo, Provérbios 21.1; Daniel 4.35;

2) Os sofrimentos de Cristo, Lucas 22.42; Atos 2.23;

3) A regeneração, Tiago 1.18; a santificação, Filipenses. 2.13;

4) Os sofrimentos dos crentes, 1 Pedro 3.17;

5) A vida e o destino do homem. Atos 18.21; Rom. 15.32; Tiago 4.15,

6) E até as menores coisas da vida, Mat. 10.29.

A teologia cristã sempre reconheceu a vontade de Deus como a causa primária e Suprema de todas as coisas. A palavra “vontade”, no sentido em que é aplicada a Deus, nem sempre tem a mesma conotação na Escritura. Pode denotar:

(1)Toda a natureza moral de Deus, incluindo os seus atributos como amor, santidade, justiça, etc;

(2)A faculdade de auto-determinação, isto é, o poder de determinar que o nosso Eu siga um curso de ação ou formule um plano;

(3)O poder de executar este plano e de realizar este propósito (a vontade em ação, ou seja, a onipotência);

(4)A regra de vida firmada para as criaturas racionais.

É primariamente na vontade de Deus como a faculdade de autodeterminação que estamos interessados no momento. Esta pode ser definida como a perfeição do Seu Ser pela qual Ele, num ato sumamente simples, dirige-se a Si mesmo como o Sumo Bem (isto é, deleita-se em Si mesmo como tal) e as Suas criaturas por amor do Seu nome.

Com referência ao universo e a todas as criaturas que ele contém, isto naturalmente inclui a ideia de causação.


DISTINÇÕES APLICADAS À VONTADE DE DEUS:

Têm-se aplicado várias distinções à vontade de Deus. Algumas destas encontraram pouco apoio da parte da teologia cristã reformada, como aconteceu com a distinção entre uma vontade de Deus antecedente e uma vontade consequente, e com a distinção entre uma vontade absoluta e uma condicional. Estas distinções não somente estavam expostas a uma compreensão errônea, mas de fato foram interpretadas de maneiras passíveis de objeção. Outras, porém, foram consideradas úteis e, portanto, foram aceitas mais geralmente. Estas podem ser asseveradas como segue:


1) A VONTADE DECRETATÓRIA DE DEUS E SUA VONTADE PRECEPTIVA

A) A primeira regra: é a vontade de Deus pela qual ele permite que venha a ocorrer por meio da livre ação das Suas criaturas racionais, no curso da história.

B) A segunda regra:é a regra de vida que Deus firmou para as Suas criaturas morais, indicando os deveres que lhes impõe. A primeira é realizada sempre, ao passo que a segunda é desobedecida com frequência.


2) A VONTADE DE EUDOKIA E A VONTADE DE EURESTIA:

Esta divisão não se relaciona tanto com o propósito de fazer algo, mas principalmente com o prazer de fazer algo ou com o desejo de ver alguma coisa feita.

2.1.A vontade de eudokiaabrange propósitos de Deus e compreende aquilo que Deus realizará (Jó 42:2)

2.2.Enquanto que a vontade de eurestia, como a do preceito, abrange simplesmente o que Deus apraz que as Suas criaturas façam (I Pedro 4:19).


4) A VONTADE SECRETA DE DEUS E SUA VONTADE REVELADA:

A)Esta distinção é a mais comum. A primeira é a vontade do decreto de Deus, em grande medida oculta em Deus

B) Enquanto que a segunda é a vontade do preceito, revelada na Lei e no Evangelho.

4.1.)A distinção baseia-se em Deut. 29.29. A vontade secreta de Deus é mencionada em Salmos 115.3; Daniel 4.17, 25, 32, 35; Rom. 9.18, 19; 11.33, 34; Efésios 1.5, 9, 11;

4.2)A Sua vontade revelada, em Mateus 7.21; 12.50; João 4.34; 7.17; Rom. 12.2. Esta última é acessível a todos, e não está longe de nós, Deut. 30.14; Rom. 10.8.

A vontade secreta de Deus pertence a todas as coisas que Ele quer efetuar ou permitir, e que, portanto, São absolutamente fixas. A vontade revelada prescreve os deveres do homem e apresenta o modo pelo qual ele pode fruir as bênçãos de Deus.

Frequentemente se debate a questão se Deus, no exercício de Sua vontade, age necessária ou livremente. A resposta a esta questão requer cuidadosa discriminação. Exatamente como há uma scientia necessaria e uma scientia libera, há também uma voluntas necessaria (vontade necessária) e uma voluntas libera (vontade livre) em Deus. Deus mesmo é o objeto da primeira. Ele necessariamente quer a Si próprio e quer a Sua natureza santa, bem como as distinções pessoais da Divindade. Significa que Ele necessariamente se ama a Si próprio e tem prazer na contemplação e Suas perfeições. Todavia, Ele não está sob nenhuma compulsão, mas age de acordo com a lei do Seu Ser; e esta, conquanto necessária, é também a suprema liberdade.

As criaturas de Deus são, porém, os objetos da Sua voluntas libera. Deus determina voluntariamente o que e quem Ele criará, e os tempos, lugares e circunstâncias de suas vidas(Atos 17:24-28).Ele traça as veredas de todas as Suas criaturas racionais, determina o seu destino e as utiliza para os Seus propósitos.

A Bíblia fala desta liberdade da vontade de Deus nos termos mais absolutos possíveis: Deuteronômio 32:39-41; Sal. 115.3; Isaias 45.9-12; Isaias 43:10-13; Jeremias 18:1-6; Mateus 20.13-15; Romanos 9:14-18; Rom. 9.19-21.A igreja sempre creu e ensinou sobre esta liberdade da vontade de Deus. Deus tem suas razões para querer como quer, razões que O induzem a escolher um fim e não outro, e uma série de meios para realizar um fim, em preferência a outros meios. Em cada caso há um motivo predominante, que torna o fim escolhido e os meios selecionados sumamente agradáveis a Ele, embora não sejamos capazes de determinar que motivo é esse. Em geral se pode dizer que Deus não pode querer nada que seja contrário à Sua natureza, à Sua sabedoria ou amor, à Sua justiça ou santidade. O Dr. Hermann Bavinck assinala: “raramente podemos discernir por que Deus quis uma coisa e não outra, e que não nos é possível, e tampouco permitido, procurar alguma base mais profunda que a vontade de Deus em que as coisas se fundamentam”.


“OS PLANOS DE DEUS NA VIDA DAS PESSOAS E DAS NAÇÕES”

Para onde vai a história e por quê? Existe algum Poder que dirige a história ou tudo acontece por mero acaso? São perguntas com que se defrontam todas as pessoas que pensam, afetando de modo decisivo todo o estilo de vida delas. A resposta do cristianismo é que Deus tem um plano que inclui tudo o que ocorre e que ele está atuando neste momento, concretizando seu plano eterno.

Podemos definir o plano de Deus (que muitas vezes é designado como seus decretos) como sua decisão eterna, tornando certa a concretização de todas as coisas que virão a acontecer. Existem analogias que, embora necessariamente insuficientes, podem nos ajudar a compreender esse conceito. O plano de Deus é como os planos de um arquiteto (a), desenhados primeiro em sua mente e depois no papel, de acordo com a intenção e o desejo dela, e só posteriormente executados em estrutura concreta. Ou pode-se pensar em Deus como um general que elabora com cuidado um plano de batalha a ser executado por seu exército.


1. O ENSINO DO ANTIGO TESTAMENTO

Conforme se apresenta no Antigo Testamento, a obra divina de planejar e ordenar está muito ligada à aliança que o Senhor fez com seu povo. Quando lemos sobre tudo o que Deus fez ao escolher e ao cuidar pessoalmente de seu povo, duas verdades acerca dele ganham destaque. Por um lado, Deus é supremamente Poderoso, o Criador e o mantenedor de tudo o que existe. Por outro lado, está a natureza amorosa, cuidadosa e pessoal do Senhor. Ele não é um mero poder abstrato, sendo entendido como uma pessoa cheia de amor.

Benjamin Warfield, em sua obra “Biblical doctrines” (New York, Oxford University, 1929), p. 7-8, afirma:

“Para os autores do Antigo Testamento, era praticamente inconcebível que alguma coisa pudesse acontecer à parte da vontade e da obra de Deus. Para os hebreus, a chuva não era algo que simplesmente acontecia; Deus enviava a chuva. O povo via a DEUS como o determinante todo-poderoso de todas as coisas que ocorrem (Salmos 104:1-24). Deus mesmo comenta, por exemplo, acerca da destruição infligida pelo rei da Assíria: "Acaso, não ouviste que já há muito dispus eu estas cousas, já desde os dias remotos o tinha planejado? Agora, porém, as faço executar e eu quis que tu reduzisses a montões de ruínas as cidades fortificadas" (Isaias 37:26). Além disso, no plano de Deus há uma preocupação especial com o bem-estar da nação de Israel e de cada um dos filhos de Deus (Salmos 27.10,11; Salmos 91:1-16; Salmos 121:1-8; Salmos 139:16).”


1.8. A BÍBLIA – O LIVRO SUFICIENTE PARA EVIDENCIAR O PLANO DE DEUS E SUA EFICÁCIA

O Antigo Testamento também proclama a crença na eficácia do plano de Deus. O que está acontecendo agora acontece porque está (e sempre esteve) no plano de Deus. O que prometeu, ele o fará. Aliás, em Isaías 14.24-27, lemos não apenas sobre a fidelidade de Deus a seus propósitos solenemente declarados, como também sobre a futilidade de se opor a eles: “O SENHOR dos Exércitos jurou, dizendo: “Como pensei, assim será, e, como determinei, assim acontecerá.Esmagarei a Assíria na minha terra e nas minhas montanhas a pisarei, para que o seu jugo se afaste de Israel, e a sua carga se desvie dos ombros dele. Este é o plano que foi elaborado para toda a terra; e esta é a mão que está estendida sobre todas as nações. Pois, se o SENHOR dos Exército o determinou, quem poderá invalidá-lo? Se a mão dele está estendida, quem a fará voltar atrás?” (Isaias 14:24-27).Vejamos outros textos emblemáticos sobre o assunto: “Então Jó respondeu ao SENHOR e disse: “Bem sei que tudo podes e nenhum dos teus planos pode ser frustrado” – (Jó 42.1-2).Vejamos o texto de Jeremias: “Eis a tempestade do SENHOR! O furor saiu, e um vendaval passou sobre a cabeça dos ímpios. A ira do SENHOR não se desviaráaté que ele execute e cumpraos desígnios do seu coração.Nos últimos dias, vocês entenderão isso Claramente” - (Jeremias 23:19, 20).

É particularmente na literatura sapiencial e nos profetas que a ideia de um propósito divino totalmente abrangente se mostra mais proeminente. Desde o início, por toda a eternidade, Deus tem um plano abrangente que comporta toda a realidade e se estende até os menores detalhes da vida. "O SENHOR fez todas as cousas para determinados fins e até o perverso, para o dia da calamidade" (Prov. 16.4); Vejamos o que falou o SENHOR a Jó: “Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? Dize-mo, se tens entendimento. Quem lhe pôs as medidas, se é que o sabes? Ou quem estendeu sobre ela o cordel? Sobre que estão fundadas as suas bases ou quem lhe assentou a pedra angular, quando as estrelas da alva, juntas, alegremente cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus? Ou quem encerrou o mar com portas, quando irrompeu da madre; quando eu lhe pus as nuvens por vestidura e a escuridão por fraldas?quando eu lhe tracei limites,e lhe pus ferrolhos e portas,e disse: até aqui virás e não mais adiante,e aqui se quebrará o orgulho das tuas ondas?”

Nós, humanos, talvez nem sempre compreendamos quando Deus executas eu propósito em nossa vida. Essa foi a experiência de Jó ao longo do livro que leva seu nome; ela é articulada especialmente em Jó 42.3: "Quem é aquele, como disseste, que sem conhecimento encobre o conselho? Na verdade, falei do que não entendia; cousas maravilhosas demais para mim, cousas que eu não conhecia". Portanto, segundo o entender dos hebreus no AT, Deus criara o inundo, dirigia a história e tudo isso era apenas a concretização do plano preparado na eternidade, estando relacionado com sua intenção de ter comunhão com seu povo. O rei Davi compreendia que DEUS dirigia a sua vida: “O que a mim me concerne o SENHOR levará a bom termo; a tua misericórdia, ó SENHOR, dura para sempre; não desampares as obras das tuas mãos” (Salmos 138:8).


OBRAS SUGERIDAS


BAILLE, John., The idea of revelation in recent thought(New York, Columbia University Press, 1956).

BEEGLE, Dewey. Scripture, tradition, and infallibility(Grand Rapids, Eerdmans, 1973).

KUYPER, Abraham. Principies of sacred theology(Grand Rapids, Eerdmans, 1954).

PACKER, James. Fundamentalism and the Word of God (Grand Rapids, Eerdmans, 1958).

RAMM, Bernard, Special revelation and the Word of God(Grand Rapids, Eerdmans, 1961).

RICE, John. Our God-breathed book — the Bible(Murfreesboro, Tenn., Sword of the Lord, 1969)

STRONG, Augustus H. Strong, Systematic theology(Westwood, N.J., Revell, 1907)

WARFIELD, Benjamin B. "The biblical idea of revelation", in: The inspiration and authority of the Bible,ed. Samuel G. Craig (London, Marshall, Morgan and Scott, 1951), p. 74.


[1]WARFIELD, Benjamin B. "The biblical idea of revelation", in: The inspiration and authority of the Bible,ed. Samuel G. Craig (London, Marshall, Morgan and Scott, 1951), p. 74.

[2]RAMM, Bernard. Special revelation and the Word of God(Grand Rapids, Eerdmans, 1961), p. 36-7. 4Ibid.,p. 39.

[3]Hendriksen, William.Comentário de Romanos. São Paulo-SP, Editora Cultura Cristã, 2014.

[4]LINDSELL,Harold. The battle for the Bible(Grand Rapids, Zondervan, 1976), p. 165-166.

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